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Já nos cinemas, "Asteroid City" é o filme mais metalinguístico da carreira do diretor.
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Acompanho a carreira de Wes Anderson desde “Os Excêntricos Tenenbaums”, lançado em 2001 – depois, é claro, fui assistir “Três é Demais” e “Pura Adrenalina”, seus filmes anteriores. Mais de vinte anos atrás, havia algo de fresco no visual meticulosamente montado e na interpretação estoica de seus atores. 

O próprio Scorsese chamou Anderson de “o próximo Scorsese” – não por terem estilos parecidos, mas pela projeção que Anderson ganharia no cinema americano. Sua estética acabou virando um alvo perfeito de paródias engraçadinhas e cópias toscas feitas em inteligência artificial, justamente por ser tão particular e fácil de reconhecer. 

Basta ter simetria, uma combinação agradável de cores e colocar os personagens bem no centro do quadro, quebrando a quarta parede. Seus filmes nunca almejaram o realismo e fazer com que os personagens falem diretamente com o espectador é uma forma de deixar toda a artificialidade ainda mais evidente.

Nos últimos anos, não fui a única a me cansar de seus maneirismos. Títulos como “O Fantástico Sr. Raposo”, “Moonrise Kingdom” e “O Grande Hotel Budapeste” foram avaliados com mais de 90% no Rotten Tomatoes – já “A Crônica Francesa” e “Asteroid City”, seus filmes mais recentes, ficaram na faixa dos 70%.

O teor das críticas negativas é quase sempre o mesmo: estilo sobre substância. Assim como Tim Burton, Anderson teria entrado em modo automático, repetindo os mesmos tiques superficiais de décadas atrás, mas sem investir nas emoções, alienando espectadores já enfastiados com sua excentricidade vazia.

“Asteroid City”, no entanto, é diferente. É como se o diretor tivesse absorvido todas as reclamações relacionadas a “Crônica Francesa” e pensado numa defesa de seu estilo, fazendo o filme mais metalinguístico de sua carreira – e, talvez, um dos mais reveladores.

Já em cartaz, o filme começa com um programa de televisão, em preto e branco, sobre os bastidores de uma peça. O que vemos em cores é o que a nossa imaginação conceberia vendo o espetáculo. Assim, um painel pintado com uma imagem do deserto vira, de fato, um deserto. São vários recursos artificiais pelos quais devemos obter algum significado real.

Ao ler um livro, ir ao teatro ou ao cinema, fazemos um acordo com nós mesmos. Sabemos que tudo o que está sendo apresentado é falso – até um documentário ou um livro baseado em acontecimentos verídicos são feitos sob um recorte específico que não corresponde totalmente à complexidade dos fatos, porque a realidade é impossível de ser replicada.

Ainda assim, nos permitimos a acreditar no que está sendo apresentado, não importa quão improvável seja. Depois, podemos tentar racionalizar a experiência e nos questionar “mas qual é o significado?” ou “o que aquilo representa?” – afinal, tudo o que é feito com alguma intenção (ao contrário da inteligência artificial) deve ter algum objetivo, certo?

E a resposta que Anderson oferece é que, mesmo durante o processo criativo, os próprios criadores podem não saber o que as suas obras significam, mas que é importante continuar contando a história – porque, em algum momento, a sinceridade irá surgir por trás do artifício.

Na vida real, as coisas acontecem sem motivo. Somos submetidos a uma série de eventos caóticos, sem qualquer explicação – a pandemia é um exemplo perfeito disto. Podemos tentar criar teorias da conspiração para dar sentido ao aleatório, mas a verdade é que estamos todos tateando no escuro e ninguém sabe a razão de nada.

Como crítica de cinema, é meu dever extrair as mensagens dos símbolos, mas se nem mesmo Wes Anderson tem todas as respostas, imagine eu. O que eu posso fazer é continuar oferecendo caminhos para compreender o incompreensível.

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