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As qualidades e os defeitos das produções baseadas em crimes reais.
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Na semana passada, um usuário do Twitter comentou sobre um anúncio da série relacionada ao assassinato da atriz Daniella Perez e disse que sentia asco pelo gênero do true crime. Com pouco mais de 3 mil curtidas, alguns interagiram para concordar e outros para discordar, o que fez com que o autor do tweet até publicasse um texto maior sobre o tema.

Não estou aqui para defendê-lo ou atacá-lo. Não é o meu propósito. Como consumidora de true crime, quis eu mesma investigar o meu fascínio pelo gênero e a sua popularidade. De acordo com o The Ringer, o número de séries documentais sobre crimes verdadeiros aumentou 63% entre janeiro de 2018 e março de 2021.

O fascínio que sentimos pela violência, no entanto, não é novidade alguma. A velha política do “pão e circo” envolvia leões estraçalhando escravos e criminosos para o entretenimento dos romanos no Coliseu. A história da raça humana é uma longa sucessão de guerras que moldaram a sociedade em que vivemos agora.

Apesar de estarmos no século 21, não vivemos em uma utopia. Em certos aspectos, regredimos mais do que avançamos – neste momento, americanos estão discutindo no Twitter se uma menina de 10 anos que sofreu estupro deve ou não fazer um aborto. É válido dizer que, mesmo evitando as notícias, somos submetidos a diversos tipos de violência diariamente.

Aos 12 anos, vi uma reportagem sobre uma das vítimas do chamado “Maníaco do Parque” que conseguiu escapar porque gritou que tinha AIDS quando ele tentou estuprá-la – antes, ela tinha dito que estava grávida, mas ele não se comoveu. Instintivamente, guardei a informação caso aquilo acontecesse comigo algum dia.

Se a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, o true crime pode ser um manual de sobrevivência. No excelente documentário “Eu Terei Sumido na Escuridão”, que também aborda os crimes cometidos por Joseph DeAngelo, mas sobretudo a importante investigação de Michelle McNamara em seu podcast, um dos assuntos é o próprio true crime.

Um estudo da Universidade de Illinois diz que mulheres são muito mais atraídas pelo gênero do que os homens. A CrimeCon é uma convenção anual para fãs de true crime que é frequentada, majoritariamente, pelo público feminino. Melanie Barbeau, uma detetive amadora que também foi vítima de abuso sexual, diz que investigar faz com que ela esqueça os próprios traumas.

Documentários baseados em crimes verídicos – ou mesmo filmes de terror – podem servir como um mecanismo de enfrentamento para as mulheres, uma forma de lidar com a violência de gênero na segurança do próprio sofá. Há uma catarse quando o criminoso é preso, ou quando a mocinha escapa de um monstro mascarado.

Dito isto, não sou ingênua de achar que toda produção relacionada a casos reais tem um propósito nobre. Boa parte é sensacionalista, feita de forma grosseira e sem respeito às vítimas. É possível argumentar que um “Making a Murderer” tem o seu valor, mas é difícil defender algo como “Tiger King” – que eu também assisti.

Com séries sobre trambiqueiros, por exemplo, há muito schadenfreude. Ficamos felizes em imaginar que jamais passaríamos pelo mesmo, que somos muito inteligentes para cair num golpe ou fazer parte de uma seita. Em vez de sentirmos empatia pelas vítimas, nos sentimos aliviados por não sermos como elas.

Em um dos episódios da série “Dark Tourist”, o jornalista David Farrier faz parte de um tour dedicado a Ted Bundy, serial killer da década de 1970 que conquistou gerações de “fãs”. Há um endeusamento hediondo de figuras que conseguiram, mesmo que temporariamente, despistar a polícia – em 2019, o assassino foi vivido no cinema pelo galã Zac Efron.

A preocupação em abordar a perspectiva da vítima é uma tendência relativamente recente no gênero. Enquanto o documentário “The Staircase” passa todo o seu tempo humanizando um homem suspeito de assassinar a própria esposa, foi a dramatização do caso feita por Antonio Campos que deu personalidade a Kathleen Peterson.

Mesmo que tais produções não consigam fazer justiça ou devolver a vida aos mortos, acho precipitado descartar todo o gênero. Há filmes de terror que punem mulheres por fazer sexo e há filmes de terror que tratam, de forma delicada e complexa, de temas importantes como depressão pós-parto. Com o true crime, é a mesma coisa.

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