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Dirigido por Peter Farrelly, "Green Book – O Guia" tenta aliviar a culpa de quem ainda sente um racismo latente.
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Há menos de uma semana, o crítico Wesley Morris publicou um artigo no New York Times chamado “Por que os Oscars continuam acreditando em fantasias de reconciliação racial?”. Morris argumenta que a Academia não mudou muito desde 1990, quando preferiu premiar “Conduzindo Miss Daisy”, em que Morgan Freeman interpreta o motorista de Jessica Tandy, em vez de “Faça a Coisa Certa”, do explosivo Spike Lee. O motivo da comparação é a disputa entre “Green Book – O Guia” e “Infiltado na Klan” ao Oscar de melhor filme de 2019. Semelhante ao “Miss Daisy”, “Green Book” retrata o florescer de uma amizade, baseada em fatos reais, entre um negro e um branco racista – só que, desta vez, o branco é o funcionário.

Em uma atuação digna de uma Nair Bello cantando “Funiculi Funicula”, Viggo Mortensen interpreta Tony Vallelonga, um típico ítalo-americano da década de 1960. Mortensen domina seis idiomas, inclusive o italiano, mas o conhecimento da língua não lhe impediu de representar uma caricatura. Meio ignorante, Tony fala sem parar e adora comer, mas tem um talento natural para resolver problemas que envolvam conversa fiada e força bruta – o que é ideal para Don Shirley (Mahershala Ali), um músico negro com uma turnê marcada pelo sul dos Estados Unidos, onde a segregação racial é muito mais pesada do que no resto do país.

Don é um pianista de formação clássica que chegou a se apresentar na Casa Branca. Culto e certinho, o contraste de sua personalidade com a de Tony lembra a relação de Frasier Crane com o pai, na antiga série “Frasier”. Com a diferença, é claro, de que o pai não era pago para tolerar e proteger o filho. É também constrangedor ver um ator do calibre de Mahershala Ali, vencedor do Oscar por “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, fingir uma ignorância descomunal de como se come um frango frito, “o que fazer com os ossos?”, ou quem é Aretha Franklin (assuntos da cultura negra que Tony domina melhor do que Don e faz questão de ensiná-lo).

Graças à convivência com Tony, Don poderá se reconectar com a cultura negra da qual tanto se distanciou, tudo isto enquanto o próprio Tony vai se acostumando com a ideia de se tornar menos racista – uma relação que beneficia aos dois, correto? A realidade do racismo nos Estados Unidos, porém, não pode ser resolvida durante uma viagem de carro. Ainda no New York Times, Morris diz que filmes como “Green Book” e “Miss Daisy” incomodam tanto porque tratam personagens negros como se fossem “pés de cabra” de mentes brancas e fechadas (a família de Don Shirley também não gostou da representação). Premiar “Green Book” seria uma forma fácil e rápida de expurgar um passado horroroso, aliviando a culpa branca de quem ainda sente um racismo latente.

Dirigido por Peter Farrelly (de comédias tontas como “Quem Vai Ficar com Mary?” e “Debi & Lóide – Dois Idiotas em Apuros”), “Green Book” é baseado na história do pai de Nick Vallenloga, um dos roteiristas. Recentemente, Nick se envolveu em uma polêmica, depois que uma postagem antiga ressurgiu nas mídias sociais. Nela, ele afirmava ter visto muçulmanos comemorando a queda das Torres Gêmeas (uma notícia falsa espalhada, sobretudo, por apoiadores do presidente Trump). Para tornar o comentário ainda mais desastroso, o ator Mahershala Ali é muçulmano. Ao contrário do que o “Green Book” indica, o preconceito ainda é um problema sem solução na família Vallenloga – e nos Estados Unidos.

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