Na infância, eu andava nas pontas dos pés. Me parecia o correto porque os pés da Barbie eram assim. Apesar do padrão de beleza da boneca ser inatingível, eu também tinha o poder de torná-la esquisita, mais como eu. Sozinha no meu quarto, eu encenava triângulos amorosos – não entre um Ken e duas Barbies, mas com uma Barbie dividida entre um Ken e outra Barbie.
O universo cor de rosa pode parecer um paraíso heteronormativo. Não é à toa que tantos conservadores dos Estados Unidos estão indignados com o filme dirigido por Greta Gerwig. Como ousa uma diretora conhecidamente feminista desconstruir um ideal de beleza feminino tão tradicional – praticamente, uma “tradwife”?
Meninas, no entanto, são esquisitas de nascença. Antes de chegar na puberdade, nunca me passou pela cabeça que seria errado uma Barbie ter um relacionamento romântico com outra Barbie. É essa atenção excessiva ao julgamento dos outros, que desperta justamente na adolescência, que nos coloca sob a pressão da conformidade.
Gerwig surgiu como uma queridinha do cinema indie – mais especificamente, do chamado “mumblecore”, subgênero marcado pelo tom natural e até improvisado dos diálogos, o que leva os atores a “resmungar” em vez de pronunciar as palavras com perfeição. Depois dos sucessos de “Lady Bird” e “Adoráveis Mulheres”, só restava partir para o blockbuster.
Do “mumblecore” para o “barbiecore”, Gerwig teria de manter o seu ponto de vista único e, ao mesmo tempo, aplacar os interesses corporativos da Mattel para manter alguma integridade artística. E foi o que a diretora conseguiu – ainda que os efeitos desta tensão sejam notáveis durante todo o filme.
Sua primeira grande vitória foi propor um filme sobre a Barbie para um público com mais de 12 anos e, assim, discutir papéis de gênero e até mortalidade – assuntos que toda menina de 5 anos entende de maneira instintiva, mas que os pais não se sentem confortáveis para abordar tão cedo. Ou seja, a classificação é para que os pais saibam onde estão se metendo.
Infelizmente, o filme nunca vai muito além do que já foi exibido – à exaustão – em trailers e peças promocionais. A sequência inicial, que faz alusão a “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, é brilhante, mas para quem já viu antes, é mais um momento em espera de algo novo. É provável que todos os 20 ou 30 minutos iniciais já foram vistos, de uma forma ou de outra.
Resta, então, aguardar pelas surpresas da Barbie no mundo real. Aqui também, no entanto, não há muitas. E antes mesmo que possamos nos divertir com os contrastes, Barbie está de volta ao seu universo. Nas redes sociais, os spoilers de “Barbie” foram proibidos – mas não há o que estragar se você frequentou a internet nos últimos seis meses.
O tempo todo, Gerwig tenta antecipar as críticas que poderia receber de todas as ondas do feminismo, além de deixar uma margem para que os homens também se sintam valorizados. Como mulher, foi mais fácil entender (mas não aprovar) as motivações de Ken do que as de Barbie – que, num momento, se apavora com a celulite da coxa e, logo em seguida, elogia a beleza de uma idosa.
Não me entendam mal. “Barbie” me fez rir e eu não esperava do filme uma revolução feminista. Só gostaria que a tentativa de agradar todo mundo ao mesmo tempo cedesse lugar à excentricidade de Gerwig, que está presente aqui e ali, mas de forma muito inconstante. Qualquer resultado enfureceria os conservadores, pelo simples motivo de ser um filme feito para mulheres. Então, para que fazer concessões?