No Twitter, o CEO da OpenAI (sim, nenhuma destas palavras estão na bíblia) lamentou que o filme “Oppenheimer”, sobre o cientista que criou a bomba atômica, não tenha provocado uma onda de jovens interessados em física do mesmo jeito que “A Rede Social” inspirou uma geração de fundadores de startup.
Comentários como esse me jogam de volta no colegial. Alguns alunos eram gênios da matemática, mas tinham muita dificuldade de entender um romance ou mesmo de se interessar pela matéria de história; enquanto outros, como eu, amavam tudo que envolvesse ciências humanas e abominavam cálculos.
Esse conflito entre exatas e humanas, infelizmente, ainda permeia as nossas vidas. Todos os dias, lidamos com as escolhas de bilionários que se importam muito mais com números do que com a preservação da história do cinema ou com o papel do jornalismo (inclua aqui as redes sociais) na manutenção da democracia e na defesa dos oprimidos.
A inteligência artificial, que ameaça milhares de empregos ao redor do mundo, bem como a percepção do que é verdade, deveria estar na mão de alguém que não tem capacidade cognitiva para compreender que “A Rede Social” é uma crítica ao criador do Facebook e não uma homenagem?
Da mesma forma, “Oppenheimer” deveria servir como um dos mais óbvios contos cautelares de que a ciência, livre de qualquer obrigação moral, só traz destruição ao mundo – mas, aparentemente, não podemos esperar tamanho exercício de empatia de alguém que trabalha com inteligência artificial, é claro.
Dirigido por Christopher Nolan, “Oppenheimer” acompanha o físico que chefiou o projeto de pesquisa e criação da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial – que culminou com o bombardeio das cidades de Hiroshima e Nagasaki para forçar a rendição incondicional do Japão e, de acordo com a versão americana dos fatos, impedir mais mortes.
Cabe dizer que Nolan espera que o espectador saiba, de antemão, quais foram as consequências da bomba atômica, pois o diretor nunca mostra os corpos desfigurados ou os japoneses que morreriam anos depois em decorrência de algum câncer causado pela radioatividade.
Ao retratar o Japão quase como um conceito abstrato, Nolan tenta contextualizar a decisão pelo bombardeio naquele momento histórico. Além do antagonismo ocasionado pela guerra – nos Estados Unidos, os japoneses foram retirados de suas casas e enviados para campos de concentração – há o racismo inerente do nós (brancos) contra eles (amarelos).
Durante o filme, fiquei imaginando se, caso Hitler não tivesse se suicidado num bunker, os americanos seriam tão cruéis com cidades europeias quanto foram com Hiroshima e Nagasaki – e acredito que a resposta lógica é “não”. Há, inclusive, uma cena em que um político descarta Kyoto como alvo por ter passado a lua de mel com sua esposa lá.
Embora Nolan retrate o cientista como um homem erudito, é provável que J. Robert Oppenheimer, interpretado muito bem por Cillian Murphy, nunca tenha conhecido um japonês e, como já foi demonstrado, a empatia não é o exercício de imaginação predileto daqueles que vivem cercados de equações.
Há dois filmes diferentes dentro de “Oppenheimer”: um, em cores e muito mais interessante, retrata o universo subjetivo do protagonista; o outro, em preto e branco e enfadonho, trata das burocracias relacionadas ao status do fisico junto ao governo americano após a guerra. Estranhamente, Nolan parece se dedicar mais às burocracias.
Dono de uma filmografia muito boa tecnicamente, o diretor britânico tem dificuldade de lidar com as emoções. A história que importa em “Oppenheimer” é a do cientista responsável por uma atrocidade e os seus sentimentos de culpa, mas Nolan dedica toda a longuíssima conclusão do filme à sua reputação, proporcionando um schadenfreude apoteótico de seus detratores invejosos.
Nolan é, afinal, um cineasta com alma de cientista – muito interessado nos pormenores dos fatos, mas alheio ao cerne da questão.