**Em 16/08 (sexta-feira), a segunda temporada de “Mindhunter” estreia na Netflix e deve tratar dos casos de Wayne Williams, Denis Rader, Charles Manson e David Berkowitz. A versão original do texto abaixo foi publicada pela primeira vez em 2017. Aqui, uma versão reeditada:
Depois que o The New York Times publicou a primeira reportagem sobre o histórico de abusos sexuais do produtor Harvey Weinstein, ele declarou que crescera nos anos de 1960 e 1970, “quando todas as regras de comportamento profissional eram diferentes”. A desculpa não justifica, nem de longe, os crimes que ele cometeu, mas algo de fato ocorreu nos Estados Unidos — ou no mundo todo — durante os anos 70.
Pelas estatísticas, a década é recorde em divórcios, abortos, estupros e gerou um surto de doenças sexualmente transmissíveis que culminou na epidemia da AIDS. Até mesmo dentro da Igreja Católica, é documentado um boom de casos de pedofilia entre os anos de 1965 e 1980. É neste contexto de caos moral que se passa a série “Mindhunter”, disponível na Netflix.
Criada por Joe Penhall, com David Fincher (que dirige quatro dos dez episódios) e Charlize Theron como produtores executivos, a série é inspirada no trabalho de John Douglas, agente do FBI que deu início à pesquisa de perfil criminológico nos Estados Unidos e responsável pela concepção do termo “serial killer”. Até então, o governo estava acostumado a lidar com criminosos que matavam em benefício próprio ou por motivos passionais, mas não compreendia quem atacava desconhecidos sem uma razão aparente.
Os Estados Unidos têm assassinos em série desde o século XIX, mas alguns dos casos mais notórios e violentos surgiram entre os anos de 1960 e 1970, como os da família Manson, John Wayne Gacy, David Berkowitz, Ted Bundy etc.. Na série, o jovem agente Holden Ford (Jonathan Groff) tenta entender o fenômeno conversando com um colega em um bar. Talvez seja resultado de uma série de acontecimentos inéditos que incluem o assassinato de Kennedy, a guerra do Vietnã e o escândalo de Watergate. Talvez o crime seja uma resposta à instabilidade do governo, que funciona como uma instituição paternal.
Logo em seguida, Holden conhece Debbie (Hannah Gross), uma estudante de sociologia que questiona se o crime não é uma resposta ao que há de errado na sociedade. Seu papel é importante porque é ela quem incentiva o protagonista conservador a buscar perspectivas de fora do pensamento do FBI. Holden é curioso, mas é ela quem inicia todo o seu processo de aprendizado. Além disso, as personagens femininas (Debbie e a doutora Wendy Carr, interpretada por Anna Torv) servem de importante contraponto em uma série em que as mulheres são alvos constantes de crimes brutais.
No cinema, Debbie e Holden assistem hipnotizados a “Um Dia de Cão” (1975), enquanto um casal de idosos se levanta e vai embora. Assim, a série indica que a cultura já não é mais a mesma, as sensibilidades mudaram e as diferenças entre as gerações estão se aprofundando. Apesar de ser um agente do FBI, Holden sente pena dos personagens que assaltam ao banco. “Você tem empatia,” diz Debbie.
É justamente a empatia de Holden que permite com que ele entenda as motivações dos criminosos, apesar dos atos horripilantes que eles cometeram (Ed Kemper, por exemplo, praticava necrofilia com as suas vítimas). Em uma transformação sutil e inusitada, essa característica do agente vai se tornando cada vez mais problemática. Outra surpresa é o senso de humor de “Mindhunter”. Em uma série com temas tão sombrios, há momentos de leveza que envolvem a dinâmica de Holden com o parceiro Bill Tench (Holt McCallany), um agente mais velho e “old-school”.
Se devemos ou não ter pena de um assassino que foi abusado e humilhado durante toda a vida, se o indivíduo já nasce criminoso ou se ele se torna criminoso, “Mindhunter” não tira conclusões. David Fincher já deixou claro o seu fascínio pelo crime em “Seven” (1995), “Zodíaco” (2007) e “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” (2011). Na série, ele questiona por que agimos da forma como agimos e por que nos relacionamos da forma como nos relacionamos, reafirmando a sua paixão pela busca de um conhecimento maior de nós mesmos.