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O desastre radioativo de Cats

Dirigida por Tom Hooper, a adaptação cinematográfica do musical da Broadway inspira terror e desespero.
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Há quem pense que assistir filmes e escrever sobre eles é um trabalho leve e divertido. Muitos nem consideram a crítica de cinema como uma profissão, mas como um passatempo. Assistir “Cats” me fez questionar todo o meu apreço pelas artes e o meu desprezo pelas ciências exatas. Minha cabeça dói, estou transtornada e não consigo lembrar se algum outro filme conseguiu atacar os meus sentidos de maneira tão avassaladora.

Dirigida por Tom Hooper, vencedor do Oscar de melhor diretor por “O Discurso do Rei”, a adaptação cinematográfica do musical de Andrew Lloyd Webber, inspirado na obra de T.S. Eliot, faz escolhas perfeitas para um filme de terror. Logo no início, uma luz vermelha cobre um beco de Londres, os sintetizadores sinistros da trilha sonora lembram “Laranja Mecânica”, criaturas bizarras se esgueiram nas sombras, sussurrando… 

Abandonada pelos donos, a gata Vitória (interpretada pela bailarina Francesca Hayward) é recebida pela tribo Jellicle, que inclui gatos de todas as cores e tamanhos. Eu poderia perder tempo tentando explicar a trama, mas nada faz muito sentido. De forma nem tão resumida assim, são quase duas horas de vários gatos monstruosos se apresentando para a novata em incessantes números musicais, sem qualquer respiro para o espectador. 

Em vez do figurino tradicional, Hooper optou por uma tecnologia de “pelagem digital”, ou seja, a caracterização felina dos atores foi adicionada na pós-produção. Muito provavelmente, o diretor quis impressionar com um efeito fotorrealista, semelhante ao da refilmagem de “O Rei Leão”, mas o resultado desta decisão amaldiçoada é um pesadelo coletivo, que combina homem e gato tal qual um experimento científico de Cronenberg.

Graças ao CGI demoníaco, as feições dos atores às vezes parecem flutuar dentro das cabeças, a iluminação das faces nem sempre combina com a do resto da cena, os recortes entre os personagens e o fundo são grosseiros, as proporções são bizarras. Os gatos têm orelhas e bigodes felinos, mas as mãos e os pés não têm qualquer tipo de acabamento. Alguns gatos usam casacos de pele, outros abrem a própria pele com um zíper. E as baratas dançarinas com rostos humanos?

Como se não bastasse toda a agressão visual, “Cats” é também medíocre no conteúdo. O alívio cômico de Rebel Wilson e James Corden se baseia em piadas de gordo e golpes nas partes baixas que sequer existem, pois todos os gatos são castrados digitalmente. O impacto emocional depende de uma Jennifer Hudson chorosa, sempre com um ranho escorrendo pela boca/focinho. Os únicos que escapam com alguma dignidade desta hecatombe são Judi Dench e Ian McKellen – ainda que eu preferisse não ter visto McKellen bebendo água como um gato.

“Cats” não é apenas o delírio de um homem louco, cujo poder subiu à cabeça, mas uma falha moral de todos os envolvidos que não se esforçaram para impedir, ainda na produção, este desastre radioativo. Com a sanidade ainda em frangalhos, espero que isto nos sirva de lição. Afinal, a única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada.

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