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Aos 77 anos, Martin Scorsese reflete a mortalidade e o próprio legado como diretor.
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“Os jovens de hoje em dia não sabem quem foi Jimmy Hoffa. Não fazem ideia. Quer dizer, talvez saibam que ele sumiu ou algo assim, mas é só isso”, diz a narração do mafioso Frank Sheeran, interpretado por Robert De Niro, em “O Irlandês”. Ao longo do filme, pequenas inserções revelam o destino de personagens variados, quase todos assassinados de forma violenta pela máfia – mas, até hoje, ninguém sabe ao certo o que aconteceu com Jimmy Hoffa, líder sindicalista que desapareceu em 1975.

Inspirado no livro de Charles Brandt, o vigésimo quinto filme de Martin Scorsese utiliza um dos maiores mistérios da história dos Estados Unidos como uma reflexão particular da mortalidade e do legado do próprio diretor. Com um roteiro assinado por Steven Zaillian, ganhador do Oscar por “A Lista de Schindler”, “O Irlandês” representa uma conclusão do cinema de gângster, gênero tão explorado pelo cineasta de 77 anos de idade.

Scorsese e De Niro fizeram alguns dos filmes mais significativos do cinema americano, muitos deles relacionados ao submundo do crime, como “Caminhos Perigosos” (1973) e “Cassino” (1996). Em “O Irlandês”, Joe Pesci e Harvey Keitel também estão de volta à máfia, enquanto o infame Hoffa é interpretado por Al Pacino, bastante familiarizado ao gênero. Graças à técnica do rejuvenescimento digital, os atores setentões – Keitel já chegou aos 80 – puderam interpretar personagens décadas mais novos, em um período que vai da Segunda Guerra até os anos 2000.

Utilizando o CGI como uma espécie de maquiagem, Scorsese comandou um set de filmagem tradicional, sem telas verdes ou marcações nos rostos dos atores para rastrear os movimentos faciais. Com exceção dos olhos azulados de De Niro, todos os atores parecem naturais. É até um choque ver, depois que o filme termina, o programa recomendando pela Netflix, uma breve conversa de pouco mais de 20 minutos entre o diretor e os atores, já sem qualquer lente rejuvenescedora.

 Se, por um lado, há o otimismo da nova técnica adotada (na conversa, De Niro brinca que irá atuar por mais 30 anos), há também o tom soturno de “O Irlandês”, que nunca glamoriza a violência retratada. Com três horas e meia de duração, um De Niro já idoso, sozinho em um asilo, narra a ascensão de Sheeran no mundo do crime – sabemos, então, que ele não sofreu uma morte violenta, mas o seu destino é, talvez, muito pior do que o de seus colegas.

Em um ano tão marcado pelo ressentimento geracional, em que “boomer” (termo utilizado para designar os nascidos entre 1946 e 1964) se tornou uma ofensa, “O Irlandês” retrata uma geração de homens endurecidos e que, assim como os boomers de agora, perderam o seu protagonismo na vida e enfrentam as consequências de suas ações – a cena final de “Rastros de Ódio”, em que a porta de uma nova América se fecha para o cowboy John Wayne vem à mente.

O cinema de Scorsese sempre foi predominantemente masculino, mas o diretor entende as nuances de uma masculinidade fadada ao fracasso. Para Sheeran, a máfia é como uma extensão da guerra, quando ele recebia ordens para “dar um jeito” em algum inimigo. Nada é declarado, tudo é codificado: “um pouco preocupado” significa “desesperado”, quem “pinta casas” é assassino de aluguel e “é isso” representa o fim da linha. Há muitas explosões de agressividade, mas as demonstrações de afeto são sempre contidas, desajeitadas, porque é difícil dizer o indizível. 

Seja no faroeste, no gênero da guerra ou no cinema de gângster, a disputa pelo poder embrutece e coloca uns contra os outros, condenando os homens à mais severa solidão, em que a morte trágica parece mais desejável do que o definhamento em vida. Sozinho no asilo, às vésperas do Natal, Sheeran pede ao padre que termina a sua visita: “Não feche a porta por completo, eu não gosto disso”.

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