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Vencedor do Festival de Veneza trata do acesso ao aborto como um suspense.
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Embora tenha sido esnobado pela Academia, um dos melhores filmes de 2020 foi “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” (disponível na Star+), sobre uma garota que viaja até Nova York com a melhor amiga para realizar um aborto. É um filme melancólico, com uma menina tímida e sensível como protagonista, que depende do apoio crucial da acompanhante.

No francês “O Acontecimento”, no entanto, Anne é uma jovem forte e corajosa, que se vê cada vez mais sozinha à medida em que as semanas passam e ela não consegue encontrar uma forma segura de interromper uma gravidez indesejada. Interpretada por Anamaria Vartolomei, Anne é uma aluna brilhante e não quer ter os seus planos destruídos.

Passado em 1963, quando o aborto era totalmente ilegal na França, a gravidez era “uma doença que só acomete mulheres e que as transformam em donas de casa”. Se “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” segue pelo caminho da empatia, “O Acontecimento” não está tão preocupado em fazer o espectador gostar de sua protagonista.

Baseado no romance semi-biográfico de Annie Ernaux e dirigido por Audrey Diwan, “O Acontecimento” não fragiliza Anne para buscar a aceitação do público. Afinal, o aborto não deve ser permitido somente quando uma criança de 11 anos é estuprada. Trata-se de um direito da mulher e uma questão de saúde pública.

Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2021, “O Acontecimento” é quase como um suspense. Com o prazo se esgotando, Anne se sente cada vez mais acuada – e é nesse estado de desespero que ela toma atitudes extremas que colocam a sua vida em risco. A trama se desenrola há quase 60 anos, mas poderia acontecer no Brasil conservador de 2022.

A fotografia de Laurent Tangy tem planos arejados e tons quentes no início do filme para, aos poucos, ir adotando a claustrofobia e a escuridão. Parece até uma cena de espionagem quando, tarde da noite, Anne caminha pelo campus da universidade e conversa com outra mulher sobre um possível aborto clandestino.

Quando eu tinha a idade de Anne, eu seria uma de suas amigas que reprovariam a sua escolha. Por acreditar que não era possível determinar em que momento da gestação o procedimento deveria ocorrer sem causar sofrimento ao feto, eu achava que não poderíamos arriscar. Hoje em dia, sinto vergonha por ter pensado assim.

Filmes como “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” e “O Acontecimento” nos ajudam a entender a importância da educação sexual, de como os contraceptivos devem ser amplamente distribuídos e como o acesso rápido a um aborto seguro é essencial para evitar o sofrimento desnecessário de mulheres que não têm condições ou desejo de criar uma criança.

O movimento antiaborto nunca se preocupou com bebês. Nos Estados Unidos, em que o acesso ao aborto é dificultado e funcionários de farmácia se recusam a vender camisinhas ou anticoncepcionais em nome da religião, muitos estão recorrendo a procedimentos cirúrgicos. São pessoas que poderiam, futuramente, optar pela maternidade e que, agora, jamais irão.

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