Na segunda-feira, publiquei um texto sobre o contexto histórico de “Cidadão Kane” e as referências por trás de “Mank”, o novo filme do diretor David Fincher. Em resumo, Fincher se baseou em um ensaio equivocado da crítica Pauline Kael, que afirmava que o verdadeiro criador da obra-prima de 1941 não era Orson Welles, mas o roteirista Herman J. Mankiewicz. Dito isto, “Mank” se concentra menos na questão da autoria de “Cidadão Kane” e mais na relação do roteirista com os personagens retratados no clássico.
Fincher também aborda os bastidores de Hollywood, como os estúdios influenciavam as eleições criando notícias falsas – e como os artistas envolvidos sofriam com as consequências. No centro da narrativa, temos um roteirista falastrão, viciado em bebida e apostas. Apesar do talento óbvio, ele não consegue resistir ao ímpeto de dizer ou fazer a coisa errada. “Por que você me ama? Como você me aguenta?”, Mank pergunta insistentemente à esposa. E a verdade é que, por baixo de uma camada grossa de cinismo e auto-sabotagem, ele tem bom coração.
Ao contrário de Pauline Kael, eu acredito na teoria do autor. Acredito que a obra de um determinado diretor carrega uma marca pessoal, uma certa individualidade, mesmo o cinema sendo uma arte coletiva. Fincher é conhecido por uma filmografia pesada, que sempre retorna ao crime e à violência (“Seven”, “Clube da Luta”, “Zodíaco” e “Mindhunter” são alguns exemplos) – mas há também o anseio de compreender o que nos torna humanos, um anseio que Fincher alimenta com a mesma obsessão de Jake Gyllenhaal em “Zodíaco”.
Interpretado por Gary Oldman, Mank não é fisicamente violento, mas é capaz de agredir com as palavras e os seus vícios. Com o roteiro de “Cidadão Kane”, ele ridiculariza o magnata William Randolph Hearst (Charles Dance) e a atriz Marion Davies (Amanda Seyfried), mesmo sendo amigo do casal. Por quê? Por que ele cria tantos problemas? Por que continua apostando mesmo sabendo que vai perder? Por que ele continua bebendo até a morte? São perguntas que “Mank” não soluciona e, talvez, nem poderia solucionar.
Para narrar as desventuras de seu herói trágico, Fincher não poupa em excelência técnica. A fotografia impressiona, a trilha sonora é perfeita. “Mank”, no entanto, parece menos incisivo que outras produções suas. Ao aliviar o viés anti-Welles do roteiro original, o filme parece vagar sem rumo, como se estivesse de ressaca. Não consigo sequer imaginar como deve ser entediante para alguém que não participou da festa, que não conhece “Cidadão Kane” ou a Hollywood da década de 1930.
Ao contrário de “Mank”, “Cidadão Kane” é interessante até para um espectador desavisado.