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Netflix: O Milagre

Filme de época com Florence Pugh trata de fé e identidade.
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As imagens de divulgação de “O Milagre” nos mostram uma Florence Pugh em trajes de época, encarando a câmera num campo verdejante, com um longo vestido azul, um xale acizentado sobre os ombros e os cabelos presos em um coque. Quando se dá o play, o filme nos mostra um estúdio moderno, um grande galpão de luz fria onde são construídos os cenários do filme.

Ao contrário de um letreiro com os dizeres “baseado em fatos reais”, o início de “O Milagre” nos assegura de que o que estamos vendo é falso, que trata-se apenas de uma história. É um choque que logo vai se dissolvendo a medida que nos envolvemos pela trama de uma enfermeira inglesa contratada para vigiar uma menina na Irlanda que, supostamente, não se alimenta há meses.

Baseado no romance de Emma Donoghue, com roteiro de Alice Birch (conhecida por “Succession” e “Normal People”), “O Milagre” tem a direção do argentino Sebastián Lelio, vencedor do Oscar por “Uma Mulher Fantástica” – sáficas também devem se lembrar de outra obra sua, “Desobediência”, com Rachel Weisz e Rachel McAdams.

Lelio, obviamente, trabalha no âmbito da temática LGBTQ e, embora “O Milagre” não trate explicitamente de alguma relação homoafetiva, é possível argumentar que o final carrega um belo de um simbolismo transsexual – vou elaborar melhor essa parte no final do texto, com um aviso bem nítido para spoilers. Se você ainda não viu o filme, pode continuar lendo.

Lib (Pugh) é uma enfermeira com um passado trágico que, como boa inglesa, mantém as emoções soterradas e se dedica avidamente ao trabalho. Contratada por uma comissão de homens religiosos que acreditam num milagre, ela deve averiguar se Anna (a surpreendente Kíla Lord Cassidy) não está se alimentando escondida.

Quase como uma história de detetive, a enfermeira entrevista seus familiares, vasculha objetos e procura por pistas do que realmente está acontecendo, descartando qualquer possibilidade divina. Lib sofreu muito para acreditar em dádivas de Deus e, todas as noites, ela se entorpece para conseguir dormir.

Ao longo do filme, a quarta parede é quebrada mais algumas vezes – nunca por Pugh ou Anna, mas por Kitty (Niamh Algar), irmã mais velha da menina. É um recurso com um intuito muito diferente de “Fleabag” ou “Enola Holmes” porque não serve para desenvolver afinidade com o espectador, mas lembrá-lo – de novo – que o que estamos vendo é ficção.

Em “O Milagre”, as histórias não são apenas histórias, elas nos ajudam a sobreviver.

 

***SPOILERS***

 

No filme, as histórias nos ajudam a sobreviver tanto de maneira literal como simbólica. Para consumar a fantasia religiosa que Anna criou depois de ter sido abusada pelo próprio irmão, ela aceita a comida da boca da mãe como um “maná divino” e é essa versão dos fatos que garante a sua subsistência.

Separada de qualquer contato físico, a garota começa a definhar. Lib luta para salvá-la, mas os homens de sua vila não querem uma menina qualquer, eles querem uma mártir. A fé é também uma história que nós contamos para nós mesmos e, para muita gente, ela é imprescindível. A religião dá força, mas também impõe suas narrativas.

Se Anna já está condenada pelos seus “pecados”, e se ela recomeçasse a vida como uma pessoa nova, longe de sua vila? Não é raro escutar de uma pessoa trans que, se tivesse sido forçada a viver com a identidade que recebeu no nascimento, não teria sobrevivido. Com um novo nome, e uma nova família, ela poderá não apenas sobreviver, mas ser feliz.

Histórias são tudo o que nós temos.

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