O título do novo filme de Paolo Sorrentino, “A Mão de Deus”, se refere ao infame gol de Diego Maradona na Copa do Mundo de 1986, em que a mão do jogador argentino tocou na bola antes de bater na rede, sem qualquer punição do juiz. Após a partida, ele comentou que o feito “foi um pouco com a cabeça de Maradona e um pouco com a mão de Deus”.
Na obra do diretor italiano, a mão de Deus também intervém no destino de Fabietto Schisa (papel de Filippo Scotti), um jovem solitário de 17 anos, obcecado por futebol, que vive com a família em Nápoles. Trata-se de uma autobiografia do cineasta que venceu o Oscar de melhor filme internacional de 2014 com “A Grande Beleza”.
Todo passado nos anos 80, durante a juventude do diretor, há forte influência de Federico Fellini, sobretudo, na primeira parte. Os parentes de Fabietto são italianos tipicamente pitorescos e idiossincráticos. Uma senhora boca suja, por exemplo, usa um casaco de pele sob o sol escaldante do verão enquanto devora uma bufalina.
O figurino e a direção de arte dão um tom quase que de caricatura aos personagens. Há piadas gordofóbicas e capacitistas que são condizentes com o período retratado – o “body positive” não era amplamente difundido quarenta anos atrás. Também pela caracterização fantasiosa, é mais fácil de “perdoar” o senso de humor ultrapassado.
Aos poucos, o pitoresco deixa escapar momentos de sinceridade. Apesar do protagonista, são as mulheres da família que mais parecem interessantes. A mãe de Fabietto, interpretada por Teresa Saponangelo, é uma dona de casa que atura as infidelidades do marido, mas não sem torturá-lo com suas pegadinhas.
Luisa Ranieri brilha como a tia Patrizia, uma mulher monumental que sofre com a infertilidade e a violência doméstica (de novo, por se tratar da década de 1980, o agressor não enfrenta consequência alguma, nem mesmo o repúdio da família). Em uma cultura machista, é Patrizia quem acaba penalizada.
Assim que o foco do filme se concentra no personagem de Fabietto, “A Mão de Deus” perde a força, se torna mais arrastado e desinteressante. Do nada, o garoto decide ser diretor de cinema, mesmo tendo assistido apenas “três ou quatro filmes” na vida. Um encontro fortuito com um cineasta renomado preenche a parte final com platitudes sobre “ter algo a dizer”.
Parece que, aos 45 minutos do segundo tempo, Sorrentino lembrou que era necessário tratar dos próprios traumas, de suas inspirações e motivações como artista para que a obra pudesse ser considerada verdadeiramente autobiográfica. Uma auto-indulgência que acaba custando o resultado do jogo.