Depois que Wes Craven reinventou o gênero com “Pânico”, as locadoras de vídeo foram tomadas pelo terror adolescente. Entre todos eles, “Premonição” era o único com um elemento minimamente sobrenatural – na franquia, a morte é uma brisa funesta que, tal qual um John Wick onipresente, transforma qualquer objeto cotidiano em arma.
Apesar do aspecto fantasioso (fichinha perto das conspirações defendidas na internet hoje em dia), “Premonição” era também o mais plausível do tipo. Estatisticamente, a morte em um acidente aéreo é mais provável do que pela lâmina de um assassino em série vestido com uma fantasia de Halloween.
O terror é, afinal, cheio de situações evitáveis. Você acamparia no meio da floresta para filmar um documentário sobre uma bruxa? Aceitaria trabalhar numa estação de pesquisa no Pólo Norte? Investigaria o sinal de uma nave abandonada no espaço sideral? Em “Premonição”, não é preciso nem sair de casa. A morte vai até você.
Neste momento, estou deitada na cama com o laptop no colo. O ventilador de teto está ligado. A persiana que cobre a janela semi-aberta balança suavemente. Nas mesas de cabeceira, tenho remédios, um copo de água, dois controles remotos, escova de cabelo e cremes hidratante. Aqui, há infinitas maneiras de morrer.
Posso, por exemplo, assistir um filme de terror em meu laptop enquanto penteio o cabelo. Um susto faz com que eu bata o braço no copo de água, a água escorre pela parede, chegando numa tomada. Um curto-circuito derruba o ventilador mal instalado sobre mim – sei lá como, mas a eletricidade apronta várias em todos os seis “Premonições”.
O importante é que os objetos inanimados conspiram pelo derradeiro fim, imbuindo cada plano detalhe com uma energia sinistra. A única forma de sobreviver é antecipando cada perigo, por mais absurdo que pareça. A vida ainda vale a pena se ela demanda esta espiral de paranoia? Bem-vindo(a) ao funcionamento de uma mente ansiosa! Sim!! É muito cansativo!!!
Vi o original com uns 14 ou 15 anos. Abracei a proposta porque já sentia que tinha de analisar cada palavra ou ação para entender como obtive consequências indesejáveis – e, assim, evitá-las no futuro. É um esforço mental que a maioria dos homens não faz em idade alguma, já que qualquer consequência indesejável é sempre culpa dos outros, mas estou desviando do assunto.
Com a ansiedade e a hipervigilância, vem a Síndrome de Cassandra, outra aflição familiar. O herói que prevê o desastre, interpretado por Devon Sawa, é atacado – física e verbalmente. Ele é excluído, acusado. A única que o compreende é a garota solitária com pretensões artísticas e que lê o tempo inteiro. Estes personagens são os meus dois neurônios.
Para além da identificação pessoal, “Premonição” é um caso muito curioso no subgênero. Cada desventura traz um contexto diferente, um novo elenco, maneiras cada vez mais malucas de partir. É uma fórmula que funciona por depender da renovação constante. Sem uma mocinha torturada repetidas vezes por um vilão corpóreo que ressuscita de um jeito ou de outro.
Na franquia toda, o único apelo à nostalgia são as brevíssimas participações de Tony Todd, falecido em 2024 (em cartaz nos cinemas, “Premonição 6” marca a despedida do ator e de seu personagem lúgubre). Ainda assim, é possível ambientar outra parte da saga em qualquer canto ou era – a mais recente começa na inauguração de uma torre, nos anos de 1960.
Pela premissa, os eventos catastróficos de todos os filmes são relacionados. A morte seria, portanto, um monstro ancestral que atormenta a humanidade desde a sua origem – seja na Idade Média ou na China. Travamos as batalhas, sabendo que a guerra é perdida. Trilhamos os caminhos mais variados, mas só há um destino.
Quando o transtorno chega a ser debilitante, a ansiedade pode trancafiar alguém dentro de casa, temendo a tudo e a todos. Porém, é um tanto reconfortante saber que, apesar das nossas tentativas de trapaceá-la, a morte sempre tem um plano para nos conectar naquilo que é mais humano – a consciência do fim.