Na segunda temporada de “O Ensaio”, o comediante Nathan Fielder percebe que muitos desastres aéreos foram causados por falhas interpessoais entre piloto e co-piloto. Os dois não interagem antes dos vôos, se conhecem na cabine da aeronave e raramente voltam a trabalhar juntos. O problema mais grave, porém, é que o piloto não dá ouvidos às sugestões do co-piloto.
O piloto, é claro, está no topo da hierarquia – é, geralmente, um homem mais velho, com mais experiência. Em muitos casos, contudo, a arrogância faz com que ele ignore os avisos de quem está ao seu lado, mesmo prestes a colidir. Fielder argumenta que, para prevenir todas essas catástrofes, bastaria estimular uma relação de respeito e confiança entre eles. Mas como?
A temporada ainda não acabou e, quando se trata do estilo absurdista de Fielder, não é possível imaginar onde ele vai chegar. Falando do episódio do último domingo, nada que eu descreva irá estragar a sensação de tamanha viagem de ácido – portanto, não considero “spoiler” contar o pouco que tenho de contar só para sustentar o meu argumento.
No episódio, Fielder se debruça sobre a autobiografia do piloto Sully, famoso por impedir um acidente em 2009 (Clint Eastwood fez um filme baseado na história, estrelado por Tom Hanks). Ele acredita que, se puder replicar a criação de Sully, da infância à vida adulta, poderá conceber uma forma de treinar outros pilotos para se tornarem tão receptivos e hábeis como o herói.
No livro, Fielder descobre que Sully foi criado por um pai emocionalmente distante – e que, como a maioria dos homens de sua geração, aprendeu a reprimir os próprios sentimentos. Depois que o piloto compra um iPod, no entanto, ele passa a utilizar as músicas que escuta para descrever as próprias emoções, algo que nunca fez antes.
O apresentador insinua (de maneira hilária, mas plausível) que o grande responsável pela proeza de Sully foi justamente esta redescoberta de sua interioridade – seu “despertar”, por assim dizer. Daí, podemos concluir que, para evitar os acidentes, os pilotos devem poder acessar os próprios sentimentos para criar conexões mais significativas com os colegas de vôo.
Há anos, ouvimos falar na “solidão masculina”. A princípio, a questão toda tinha a ver com os “ativistas dos direitos dos homens” – mas a ideia de que as mulheres “devem” sexo aos homens foi ficando difícil de defender em público. A expressão agora abarca significados diferentes. As queixas se tornaram, propositalmente, mais difusas.
Escrevo “solidão masculina” com aspas porque estamos todos solitários. Apesar de todo o avanço tecnológico, gastamos muitas horas trabalhando, nos deslocando de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Muitos não têm disposição para mais nada. Nas cidades, são poucos os espaços dos quais podemos usufruir com segurança e sem pagar caro.
Estamos todos tristes, ansiosos e isolados. Nosso modelo político depende disto, da nossa exaustão e desta dificuldade, cada vez maior, de nos conectarmos uns aos outros. É parte do plano fazer com que as pessoas troquem os amigos de carne e osso pelo ChatGPT. Por que a “solidão masculina” é especial?
Mesmo que se sintam sozinhos, nem acho que “solidão” dê conta de descrever o que atormenta os homens, em específico. Um termo mais adequado – pois, este sim, é característico da socialização masculina – seria “analfabetismo emocional”. Os homens não são criados para compreender e compartilhar os sentimentos uns com os outros.
De maneira geral (ou seja, favor não tomar como ofensa), pais não se abrem com os filhos. A obrigação de projetar uma imagem ora impassível, ora raivosa faz com que os meninos mantenham amizades superficiais. Muitos homens héteros não são vulneráveis nem com as parceiras – de alguma forma, seria gay falar de sentimentos com a esposa ou a namorada.
É uma existência terrível, viver com medo das próprias emoções e sequer ter o vocabulário para articular dúvidas e anseios, que dirá encontrar uma solução que não resulte em mais violência. É uma dor que eu compreendo, mas também me provoca uma certa irritação (estou discutindo sentimentos!) porque os próprios homens instrumentalizam esse sofrimento todo.
Na direita, o conceito mais amplo de “solidão masculina” serve para culpar não a expectativa delirante que criaram para eles mesmos, a de um espetacular exército espartano em pleno 2025, mas os avanços sociais das minorias – a conversinha mole de que “virou crime” ser homem, branco e hétero.
Não se trata da realidade, mas da percepção dela. Os mais ricos e poderosos do planeta serem, em maioria esmagadora, homens, brancos e héteros é um mero detalhe. O homem não vê sentido na vida quando percebe que não pode mais impor a sua vontade – e protesta furiosamente qualquer perda milimétrica de um privilégio usufruído há séculos.
A cada mudança social que proporcione um mínimo de segurança e dignidade às mulheres, se revoltam, por exemplo, por não poderem mais “elogiar” a aparência física de uma funcionária (mesmo que ainda o façam dia sim e dia sim também). É o politicamente incorreto. O mundo tá chato etc..
Em comparação, nós recebemos salários menores. Homens medíocres avançam na carreira simplesmente por serem homens. Sofremos violência sexual e somos assassinadas em números vertiginosamente desproporcionais. E mesmo assim, a preocupação mais urgente é o bem estar mental deles, a manutenção do poder deles.
Como um piloto experiente que se sente ultrajado por ter sido questionado por um “subalterno”, homens preferem morrer (e matar) a admitir um erro. Temos empatia, porque fomos criadas para tal. Mas a empatia, assim como a paciência, tem os seus limites.