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Isto não é uma resenha, é um comentário pessoal.

Por coincidência, assisti duas produções japonesas com temáticas parecidas num curto intervalo de tempo. “Kotaro vai morar sozinho” é um anime produzido pela Netflix sobre um menino de quatro anos que, estranhamente, vai morar sozinho, sem mãe, pai ou irmãos. Aos poucos, seus vizinhos de condomínio começam a assumir o papel de cuidar de Kotaro, formando uma família postiça com um autor de mangás, uma hostess de um clube noturno e, aparentemente, um mafioso da Yakuza.

“Kotaro” é um anime fofo, engraçado e também deprimente. O menino foi abandonado pela mãe e o seu pai foi afastado com uma ordem judicial. Ou seja, a série toca em temas sérios como abandono e violência doméstica. Imitando um personagem de desenho animado, o protagonista fala como se fosse um samurai e se defende com uma pequena espada de brinquedo. Ele quer ser o mais legal, o mais independente e o mais forte porque acredita que a culpa do abandono é toda sua.

Se você tem problemas com pai, mãe ou ambos, “Kotaro” é um bom anime para comentar com o psicólogo, pois as ações do menino são completamente condizentes com o estado mental de quem foi abandonado. Ele acha que cabe a ele ser o melhor possível para atrair as pessoas ao seu redor, então ele tenta compensar o medo de rejeição exigindo muito dele mesmo, porque a afeição das pessoas está nas suas mãos – o que é ridículo para um menino de quatro anos e também para um adulto.

A outra produção com temática parecida se chama “Crescidinhos”, também disponível na Netflix, e é um reality show sobre crianças japonesas de dois a quatro anos que, pela primeira vez, saem sozinhas para ir até ao mercado ou buscar algo num vizinho distante – algo impensável no Brasil ou, vá lá, nas ruas perigosas de São Paulo. É claro que as crianças não estão totalmente sozinhas, há uma equipe disfarçada que acompanha todo o trajeto.

O intuito do programa é estimular a independência e a coragem. Em certos episódios, porém, crianças de dois anos caminham quilômetros, ladeira acima, com sacolas pesadas. Elas choram, deixam as compras cair ou reclamam que os pés doem, mas o discurso de que é preciso se esforçar e seguir adiante (“ganbatte”) se sobrepõe às emoções dos filhos e dos pais. Lembrei um pouco do “bean dad”, personagem do Twitter que ficou famoso porque se recusou a abrir uma lata de feijão pra filha que estava com fome.

Apesar da associação com o “bean dad”, não estou reprovando o programa. Quando tudo dá certo, é realmente adorável. Assisti 20 episódios em um dia só (no caso de “Kotaro”, terminei a primeira temporada num final de semana). Achei curioso ver duas produções japonesas sobre crianças se virando sozinhas. Penso no quanto isso pode ter a ver com os desastres naturais ou com a própria guerra (“Túmulo dos Vagalumes” me veio à mente).

Meu pai tem setenta anos e minha mãe completa sessenta e nove no final do mês. Minha mãe luta contra um câncer há uns treze anos, então penso muito na mortalidade deles já há algum tempo – o que só se intensificou com dois anos de pandemia. Apesar de ter trinta e cinco anos, às vezes me sinto tão vulnerável como uma criança. Não consigo imaginar minha vida continuando depois que eles partirem.

Talvez seja um problema geracional, como os millennials não têm autonomia econômica, a casa dos pais é sempre um refúgio. Talvez seja uma característica minha, que sempre fui muito emotiva e muito apegada ao meu pai. Pra não me sentir estranha, lembro do relacionamento do Yasujiro Ozu com a mãe, que morreu um ano depois dela. Sem uma rede de apoio, me sinto completamente desencorajada a me esforçar e seguir adiante. Não quero subir essa ladeira, carregando estas sacolas pesadas.

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