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Xógum: A Gloriosa Saga de Mariko

Disponível no Star+, produção mais cara do FX emula "Game of Thrones" em Japão feudal e subverte expectativas.
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Antes mesmo do primeiro episódio ir ao ar, críticos já comparavam “Xógum” com “Game of Thrones”, dadas as proporções épicas da produção mais cara do canal FX. Baseada na obra de James Clavell, a minissérie também trata de uma disputa pelo poder, com direito a conspirações, reviravoltas, mortes chocantes e uma pitada de sexo aqui e ali – ou seja, a mesma receita de bolo de George R. R. Martin.

Mesmo obedecendo à fórmula, porém, “Xógum” é especial. Ancorada na realidade, com personagens inspirados em figuras históricas do Japão, a minissérie criada por Justin Marks e Rachel Kondo conta com o arcabouço do cinema japonês – e utiliza todo o repertório do espectador, por mais limitado que ele venha a ser, para subverter expectativas.

Logo de cara, o pôster mais difundido de “Xógum” nos dá a imagem de um samurai a galope com uma katana em punho, sugerindo uma gloriosa cena de batalha com centenas de figurantes a caráter. Só que, ao contrário da conclusão escalafobética de “GoT”, a minissérie nunca cede à hipótese do que um fã imaginário gostaria de ver, e oferece somente o que faz sentido dentro da trama (mesmo quando ela nos deixa em frangalhos).

“Xógum” já havia sido adaptada pela NBC em 1980, com Toshiro Mifune como o brilhante estadista do Japão feudal, Lord Yoshi Toranaga. Na época, contudo, o protagonista era o navegador inglês John Blackthorne, interpretado por Richard Chamberlain. Como Blackthorne não entendia japonês, as falas dos demais personagens não eram nem legendadas, deixando o espectador tão confuso quanto o protagonista.

Se, por um lado, a falta de legendas força uma conexão entre o navegador e o público, por outro, os japoneses são retratados como seres exóticos, com costumes e motivações incompreensíveis ao ocidental. Já a nova adaptação desmembra a trama em quatro personagens: Toranaga (vivido por Hiroyuki Sanada), Blackthorne (Cosmo Jarvis), Lady Mariko (Anna Sawai) e Yabushige (o excepcional Tadanobu Asano).

Sanada, que já fez filmes como “John Wick 4”, “Trem-Bala”, “47 Ronins” e “O Último Samurai”, é também produtor da minissérie e já trabalhou como consultor em outras produções, corrigindo erros históricos relacionados à cultura japonesa. A maioria dos roteiristas de “Xógum” é de origem asiática, o que também explica o cuidadoso trabalho de ambientação.

Do ponto de vista japonês, os verdadeiros “selvagens” são os ocidentais com seus hábitos alimentares bizarros e banhos semestrais. Em tempos de “Duna 2” que, assim como o clássico “Lawrence da Arábia”, trata do arquétipo do “salvador branco”, é necessário que mais produções critiquem a visão eurocêntrica da História e promovam um meio termo.

Não há grande mérito em despertar a empatia do público americano por um homem branco, como a versão oitentista de “Xógum” fez. O verdadeiro feito está no arco do novo Blackthorne, que chega em terras estrangeiras como um mero oportunista e acaba, de forma bastante verdadeira, compreendendo uma cultura completamente diferente da sua.

Em um elenco tão forte, Jarvis sai prejudicado, mas o seu papel não é fácil. Ele é, ao mesmo tempo, um herói e um vilão, um esperto e um tonto. Blackthorne acha que pode manipular Toranaga, mas é apenas um peão em um enorme tabuleiro de xadrez. A verdadeira oposição, no entanto, não é entre o ocidente e o oriente, mas entre o individualismo e o sacrifício por um bem maior.

Nesse sentido, Mariko e Yabushige estão em pólos opostos dentro do mesmo país. Com todo o carisma de Asano, Yabushige é um malandro que muda de time conforme o placar do jogo, sempre pensando em tirar o seu da reta. Já Mariko, vivida pela apaixonante Sawai, é uma mulher que comete muitos sacrifícios em nome dos outros e que não deseja nada além da própria morte.

E que personagem é Mariko! A subserviência da mulher japonesa já foi muito fetichizada, mas Mariko não é passiva nem boba. Como tradutora de Blackthorne, é ela quem controla o resultado de cada reunião, de cada encontro, escolhendo cuidadosamente quais palavras deve usar. É também a única que Toranaga respeita como igual.

Sem dar spoilers muito bombásticos, no último episódio, quando Toranaga liberta o seu falcão treinado, ele deseja que a ave tenha muitas filhas. Afinal, os homens ao seu redor, incluindo aqueles com laços de sangue, se revelaram burros e fracos. Ninguém chegou aos pés de Mariko. Mas “Xógum” pode ter ultrapassado “Game of Thrones”.

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