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O que a série do The Weeknd e o novo filme de Emerald Fennell têm em comum?
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Contém **SPOILERS** tanto da série “The Idol” como do filme “Saltburn”.

 

Antes mesmo de estrear, “The Idol” já estava fadada ao fracasso. Não por rancor da imprensa, como alegou Abel Tesfaye, vulgo The Weeknd, mas por uma produção caótica que acabou custando muito mais do que devia – em suma, a diretora Amy Seimetz foi demitida e substituída por Sam Levinson (de “Euphoria”), tudo por um receio do cantor de que a série estava ficando “muito feminina”.

“The Idol” apresenta Jocelyn, uma estrela pop interpretada por Lily-Rose Depp, muito fragilizada pela morte da própria mãe e por um histórico de abusos – uma presa ideal para o manipulador Tedros (Tesfaye), que lidera uma pequena seita de artistas igualmente dodóis da cabeça. No fim, a grande “reviravolta” é que a cantora estava jogando xadrez 4D e explorando Tedros o tempo todo.

Partindo das “mentes doentias” de Levinson e Tesfaye (sim, a série foi promovida pela HBO desta forma), “The Idol” tenta subverter o movimento #metoo para afirmar que, às vezes, o homem é a verdadeira vítima de um elaboradíssimo esquema de mentiras. A presença de Lily-Rose Depp, embora a atriz não seja responsável pelas atitudes do pai, remete invariavelmente ao julgamento Depp vs. Heard.

Sim, homens podem ser vítimas de abuso. É muito mais frequente, no entanto, que os abusadores (em enorme maioria, homens) se defendam das acusações de suas vítimas (em enorme maioria, mulheres) utilizando a técnica DARVO, acrônimo para “Deny, Attack and Reverse Victim and Offender” – isto é, “negar, atacar e inverter vítima e infrator”.

Desde que Johnny Depp foi inocentado, graças à virulenta campanha contra a atriz Amber Heard, outras celebridades, como Brad Pitt e Marilyn Manson, vem seguindo a mesma estratégia. Foi o que a defesa do ator Jonathan Majors, condenado há poucos dias por assédio e agressão contra sua ex-namorada, tentou fazer.

A arte deve subverter papéis previamente concebidos e provocar discussões na sociedade. No caso de “The Idol”, porém, a suposta “subversão” não faz nada além de confirmar velhas crenças misóginas de que mulheres são todas Capitus, com seus olhos de ciganas oblíquas e dissimuladas – mas sem a autoconsciência de um gênio como Machado de Assis.

De forma semelhante, “Saltburn” é uma espécie de “Parasita” invertido, começa como uma sátira dos ultra-ricos e termina como um pesadelo reacionário digno de Maria Antonieta (a dos brioches, não a de Sofia Coppola). Disponível no Prime Video, o segundo longa da diretora Emerald Fennell, de “Bela Vingança”, mira em Bong Joon-ho, mas acerta em Caco Antibes.

No filme, o excelente ator Barry Keoghan interpreta Oliver Quick, um estudante bolsista de Oxford que faz amizade com o herdeiro Felix Catton, vivido pelo galã Jacob Elordi. Há uma influência clara de “O Talentoso Ripley”, mas Oliver não quer ser Felix por conta de uma estranha obsessão amorosa, ele só quer ter o que Felix tem.

Fennell faz uma salada de referências, misturando “Ripley” com “Teorema”, de Pier Paolo Pasolini. Assim, Oliver sai tentando seduzir a família Catton inteira, não só Felix. Tanto “The Idol” como “Saltburn” usam as cenas mais picantes e pretensamente bombásticas para dar uma aparência transgressora a um discurso caquético.

E, por fim, o garoto pobre que era visto como um simples brinquedo de uma família aristocrata se revela, afinal, como um aproveitador ardiloso e assassino – uma espécie de conto cautelar voltado ao 1% para não se misturarem com a gentalha. Fennell, por sinal, é filha de um joalheiro de luxo conhecido como “o rei do bling”.

De toda forma, o intuito deste texto não é acusar a dupla Levinson/Tesfaye de machismo, ou Fennell de elitismo. “Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela burrice,” diz a Navalha de Hanlon. Talvez, na tentativa de criar uma reviravolta Shyamalanesca, os criadores pensaram numa inversão idiota de papéis e chegaram nesses resultados sem analisar os próprios vieses.

O que fica óbvio é que, sempre que um conceito se sobrepõe à lógica interna dos personagens –  se o desejo de Ripley é palpável na adaptação de Minghella, Jocelyn e Oliver não se parecem nem remotamente com pessoas reais – o resultado até pode ser bonito de se ver, mas é enfadonho até no esforço de chocar.

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