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O gentil anti-faroeste de Kelly Reichardt.
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Em “Antiga Alegria” (2006), a diretora Kelly Reichardt retrata uma viagem entre velhos amigos. Por meio de um evento ordinário, ela toca em assuntos diversos, desde a conexão do homem com a natureza até a sua organização política em sociedade. Há um momento especial em que Kurt (interpretado pelo cantor e ator Will Oldham) se aproxima de Mark (Daniel London) para lhe fazer uma massagem nos ombros. Mark reage com estranheza, mas acaba relaxando. Trata-se de uma demonstração de carinho entre dois homens, sem viés erótico.

Em um mundo violento e caótico, a ternura é um refúgio que poucos homens buscam. Passado no século XIX, a trama de “First Cow” (2019) se desenrola como um causo de cidade interiorana e acaba abarcando a própria fundação dos Estados Unidos, o mito do individualismo heróico do “self-made man” e a possível irmandade entre desconhecidos. Vivido por John Magaro, Cookie é um cozinheiro viajante que faz amizade com o imigrante chinês King-Lu (Orion Lee). Dividindo a mesma cabana, os dois começam um pequeno negócio.

Acontece que, para vender os bolinhos deliciosos que Cookie sabe preparar, é preciso leite. E, em todo o território do Oregon, só há uma vaca – que pertence, é claro, ao aristocrata da região. Durante a madrugada, portanto, Cookie trata de ordenhar a vaca enquanto King-Lu fica de vigia, mas o esquema acaba se provando arriscado. “First Cow” é a quinta colaboração do escritor e roteirista Jonathan Raymond com a diretora Kelly Reichardt, após “Antiga Alegria”, “Wendy e Lucy” (2008), “O Atalho” (2010) e “Movimentos Noturnos” (2013).

Com o selo da prestigiosa produtora A24, “First Cow” é como um anti-faroeste. A fotografia de Christopher Blauvelt, que utiliza uma proporção de tela mais quadrada, serve para subverter a imagem majestosa dos faroestes clássicos e concentrar toda a atenção do espectador nos personagens, em vez do pano de fundo. O formato mais fechado também ajuda a criar uma intimidade maior entre o espectador e os protagonistas – é, afinal, uma história simples e pessoal, sem a grandiloquência narrativa ou imagética de um John Ford.

Um dos meus filmes favoritos de 2020, “First Cow” começa com uma citação de William Blake que diz “A ave constrói o ninho; a aranhaa teia; o homem, a amizade.” O amor fraterno entre Cookie e King-Lu comprova a visão otimista de Reichardt de que a gentileza pode brotar mesmo nos períodos de maior preconceito, machismo e ganância da história americana. “First Cow” é uma fábula de um país feito por forasteiros que, apesar do oportunismo e do egoísmo de seu tempo, buscaram uma conexão profunda de amizade.

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